domingo, 2 de janeiro de 2022

ESCOLHAS LITERÁRIAS DE 2021

Deixei-me levar por um exercício ocioso e odioso: odioso para mim mesmo, porque em geral gerador de incompreensões e inimizades; e ocioso por ser coisa de cariz jornalístico e, por conseguinte, de limitado alcance histórico-crítico. Esse exercício é o de fazer as minhas escolhas literárias de 2021, em vários domínios.

Comecei então a elaborar uma lista. A dado momento, só no capítulo das traduções de poesia para Português, já ia em mais de duas dezenas de títulos que adquiri e li, integral ou parcialmente, e sei que a lista ainda está incompleta. Porque, de facto, 2021 foi um ano particularmente fecundo neste domínio, não só em matéria de antologias de poesia de outros países editadas em Portugal, como no campo da tradução de poetas individuais, quer clássicos (basta dizer que foi o ano Dante) quer contemporâneos. O mesmo drama no capítulo da poesia portuguesa. Da ficção nem se fala. 


Optei, então, por me cingir a um número muitíssimo restrito: duas a quatro obras por género ou modalidade literária. E claro que as minhas listas estão muito incompletas, são subjetivas (como todas as selecções) e valem o que valem, porque não li tudo: há obras de que me esqueci, por razões válidas ou não; há obras que não me chegaram às mãos por défices de distribuição das novidades editoriais; há obras de circulação muito limitada e de que disponho porque me foram oferecidas, etc. Seja como for, sou um compulsivo comprador de livros de vários géneros. A esmagadora maioria das obras escolhidas adquiri-as eu. 

Insisto: a lista inclui duas a quatro obras por cada domínio e envolve muita subjectividade. Reitero também que considero unicamente escritores portugueses. É excepção, pela natureza da poesia traduzida, o apartado de traduções de obras poéticas. 


Notas importantes – (a) procuro, cada vez mais, seguir um princípio: tentar escapar ao frágil consenso mediático que, em geral, relega para a inexistência obras de grande valia e chega a promover obras medíocres. (b) Julgo também que chamar a atenção para poetas e prosadores multipremiados é por vezes chover no molhado. Não pretendo aqui carrear mais água para esse chuveiro. (c) Pela mesma razão, procurei também contornar os escritores que, embora não pareça, trabalham muito, no espaço mediático, para a sua própria promoção, e realçar alguns menos mencionados, mais discretos. (d) Como estou a falar de literatura, não contemplo os 'álbuns' ou picture books só de imagens ou de muito escasso texto ilustrado, para a infância, que, tal como a Banda Desenhada, constituem em geral artes de outro tipo. Também não incluí textos dramáticos, mas por puro desconhecimento das eventuais publicações.


Quanto ao Ensaio coloca-me problemas: tenho para mim – mas não estou certo disto – que o ensaio literário se encontra em crise em Portugal e não só (algumas distintas excepções: João Barrento, Manuel Gusmão, Silvina Rodrigues Lopes, Maria Filomena Molder, António Guerreiro…). Vejamos: com pouquíssimas excepções, a crítica literária deixou praticamente de dispor de espaço em jornais e revistas, eles próprios em declínio (o que aí se publica são, essencialmente, curtos textos de divulgação, muito influenciada pelas agências de comunicação e pelos lobbies editoriais, que chegam a ter jornalistas avençados). A crítica literária encontra-se, por isso, muito confinada ao meio académico, onde se produzem estudos de enorme e reconhecido valor. Mas as centenas de artigos científicos que académicos produzem anualmente em Portugal e no estrangeiro sobre literatura obedecem a uma estrutura e a parâmetros que cada vez menos se ajustam à estrutura e às características do ensaio tal como no passado o conhecemos. Roland Barthes, Óscar Lopes, Eduardo Prado Coelho, Maria Lúcia Lepecki, David Mourão-Ferreira, Eduardo Lourenço eram académicos, cultivavam o ensaio (e publicavam, não raro, em jornais); muitas das suas recensões críticas eram, em boa verdade, breves e luminosos ensaios. Mas o que publicavam no seu tempo dificilmente se ajustaria hoje aos requisitos das chamadas publicações científicas, universitárias, de literatura. Do mesmo modo, a maioria das chamadas revistas literárias (que no passado albergavam secções de crítica) deixaram de ser o lugar ideal para a publicação dos trabalhos de críticos literários de raiz universitária. Estes encontram-se agora sujeitos à rígida uniformização que, no campo investigativo, lhes é exigida em termos de escrita académica, sem poderem esquecer tão-pouco os parâmetros e critérios de avaliação do seu desempenho docente no capítulo da investigação, de que não cabe aqui falar.


Inclusive, o livro de um só autor deixou, como se sabe, de constituir o espaço ideal de publicação desses trabalhos, que passou a ser o periódico científico escrutinado e indexado em bases de dados desse tipo de publicações. Como sobrevive o Ensaio a isto? Estas razões, e não são as únicas, contribuem também para a relativa escassez de novidades no campo do ensaísmo literário.  

 

PROSA NARRATIVA PORTUGUESA, TEXTOS AFINS E OUTRAS PROSAS 

  • Henrique Manuel Bento Fialho – Micróbios, Abysmo
  • Mário de Carvalho – De Maneira Que É Claro…, Porto Editora
  • Rita Cruz – No País do Silêncio, Página a Página

PROSA NARRATIVA PORTUGUESA E OUTRA (REEDIÇÕES IMPORTANTES E INÉDITOS)

  • Carlos de Oliveira – Alcateia, Assírio & Alvim – grupo Porto Editora
  • Fernando Namora – Deuses e Demónios da Medicina, Editorial Caminho – grupo LeYa
  • Mário Dionísio – Passageiro Clandestino I 1950-1957 (diário), Casa da Achada (é acompanhado de outro volume: Eduarda Dionísio – Notas – Passageiro Clandestino I de Mário Dionísio, Casa da Achada)
  • Sophia de Mello Breyner Andresen – Prosa (fixação de texto, prefácio de Carlos Mendes de Sousa e posfácio de Maria Andresen Sousa Tavares), Assírio & Alvim – grupo Porto Editora

DIÁRIO

  • Gonçalo M. Tavares – Diário da Peste – O Ano de 2020, Relógio d’Água

POESIA PORTUGUESA

  • Alberto Pimenta – Ilhíada, Edições do Saguão
  • A. M. Pires Cabral – Caderneta de Lembranças, Tinta da China
  • Manuel Silva-Terra – Pó Sobre Pó, Urutau
  • Rita Taborda Duarte – Pequeno Livro das Pedras, Nova Mymosa

POESIA PORTUGUESA REUNIDA 

  • Adília Lopes – Dobra (nova edição ampliada), Assírio & Alvim – grupo Porto Editora
  • António Aragão – OBRA (Re)ENCONTRADA, Edições do Saguão
  • António Franco Alexandre – Poemas, Assírio & Alvim – grupo Porto Editora
  • Albano Martins – Por Ti Eu Daria – Toda a Poesia, Glaciar

POESIA (TRADUÇÕES PARA PORTUGUÊS)

  • Friedrich Hölderlin – Todos os Poemas seguido de Esboço de uma Poética (tradução, introdução, comentários e notas de João Barrento), Assírio & Alvim – grupo Porto Editora
  • Giuseppe Ungaretti – Vida de Um Homem – Toda a Poesia (tradução de Vasco Gato), IN-CM
  • Luís Cernuda – Ocnos (tradução e apresentação de Miguel Filipe Mochila), Língua Morta
  • Masaoka Shiki – Aves Dormindo Enquanto Flutuam – haikus (introdução, notas e versões portuguesas de Joaquim M. Palma), Assírio & Alvim – grupo Porto Editora

LITERATURA PARA A INFÂNCIA E A JUVENTUDE E DE RECEPÇÃO TRANSGERACIONAL – NARRATIVA 

  • António Mota – A Gaveta Mágica (ilustrações: Cátia Vidinhas), ASA – grupo LeYa
  • Augusto Baptista – A Senhora Prestável (ilustrações de Emelie Ostergren), Xerefé Edições
  • José Viale Moutinho – A Máquina do Tempo do Professor Candeias (sobre a vida e a obra de Camilo Castelo Branco), Imprensa Académica
  • Margarida Gil Moreira (texto e ilustrações) – A Estrela da Serra, Cordel d’Prata

LITERATURA PARA A INFÂNCIA E A JUVENTUDE – POESIA 

  • Maria Judite de Carvalho – Felizmente as Árvores São Grandes (ilustrações de Cátia Vidinhas), Minotauro – grupo Almedina
  • Nuno Higino – O Livro de Benício – Poesia para a Infância (ilustrações de Kassandra Júlio)
ADAPTAÇÃO DE CLÁSSICOS PARA OS MAIS JOVENS
  • Carlos Ascenso André – A Eneida de Virgílio adaptada para jovens, Quetzal – grupo Bertrand/grupo Porto Editora

NOVELA GRÁFICA 

  • Joana Estrela (texto e ilustrações) – Pardalita, Planeta Tangerina

ENSAIO LITERÁRIO E AFINS (OBRAS DE AUTORES PORTUGUESES)

  • António Guerreiro – Zonas de Baixa Pressão – Crónicas Escolhidas, Edições 70 – grupo Almedina *
  • Carina Infante do Carmo – A Noite Inquieta, Ensaios sobre Literatura Portuguesa, Política e Memória, Húmus
  • Manuel Frias Martins – A Lágrima de Ulisses – Regimes da Cultura Literária, Editora Exclamação
  • Silvina Rodrigues Lopes – O Nascer do Mundo nas Suas Passagens, Edições do Saguão

 

*Embora ostentem o subtítulo de “crónicas”, considero que os textos desta obra são, na sua maioria, pequenos ensaios. Acrescente-se que extravasam muito o domínio específico da literatura.

 

BIOGRAFIA E ENTREVISTA

  • Álvaro Magalhães – Para Quê Tudo Isto – Biografia de Manuel António Pina, Contraponto
  • Joana Meirim (ed., org. e intr.) – Diz-lhe Que Estás Ocupado – Conversas com Alexandre O’Neill, Tinta da China 

ANTOLOGIA

  • Vários – A Visagem do Cronista – Antologia de Crónica Autobiográfica Portuguesa (Séculos XIX-XX), Vol.1 (sel., org. e introd. de Carina Infante do Carmo), Arranha-Céus
  • Vários – A Visagem do Cronista – Antologia de Crónica Autobiográfica Portuguesa (Séculos XX-XXI), Vol. 2 (sel., org. e introd. de Carina Infante do Carmo), Arranha-Céus

 

João Pedro Mésseder