domingo, 15 de junho de 2014

Francisco Duarte Mangas e o dia 11 de Junho

Pudesse apenas celebrar a luz de junho. Mas hoje não posso – um companheiro deixou de ter trabalho. Como ele próprio conta, no seu blogue Diário de Link, foi despedido via telemóvel, ao fim da manhã quando ia buscar o filho mais pequeno à escola. Há muito que os patrões e a direcção do Diário de Notícias não mereciam as metáforas dele. Mas nós, seus leitores, merecíamos. Merecemos.
Nesse jornal, que já foi empresa pública, o Francisco – poeta, romancista, contista, autor de livros para crianças – publicava coisas como esta:

Os pássaros quando morrem não caem no céu

Francisco Mangas
Diário de Notícias, 8-1-2011

A chuva de aves, nos últimos dias, desmente a límpida imaginação dos poetas. Será mesmo assim?
A teoria poética de José Gomes Ferreira estava errada. Talvez seja exagero. Não há teorias poéticas: há metáforas, e as mais felizes força encerram para transfigurar o mundo. Sendo assim, parece de todo abusivo averiguar-se a veracidade de uma imagem. José Gomes Ferreira, o poeta do outro século, escreveu um dia sobre o acontecimento que marca o início deste ano: a morte dos pássaros.
O autor de O Irreal Quotidiano mostrava-se deveras espantado por nunca ter descoberto um pássaro morto no meio da floresta. Certa vez, andara toda a manhã "a procurar entre as árvores / um cadáver pequenino / que desse o sangue às árvores / e asas às folhas secas...". Nada viu. E foi nessa mesma manhã que a metáfora (metáfora de uma morte limpa) vem em seu socorro, e dissipa o mistério o atormentava: "Os pássaros quando morrem / caem no céu".
A partir da espantosa descoberta, os pequeninos seres alados encontraram para sempre abrigo poético nas suas palavras. E o "poeta militante", tão feliz com o achado, entraria "no café com um rio na algibeira". Ele próprio conta o que de extraordinário a seguir se passou: "Depois, encostado à mesa, / tirei da boca um pássaro a cantar / e enfeitei com ele a Natureza / das árvores em torno / a cheirarem ao luar / que eu imagino".
Bem vistas as coisas, o poeta não estaria equivocado. Tanto céu também cansa: os pássaros mortos, em dimensão de bátega, desceram à terra para ser húmus, sangue novo da ameaçada Natureza.


José António Gomes

IELC do InEd da Escola Superior de Educação do Porto