quarta-feira, 28 de julho de 2021

Pitões das Júnias, de Aurelino Costa e Anxo Pastor

Que livro bonito este que mão amiga me fez chegar às mãos: Pitões das Júnias (2.ª ed., Porto: Blue Book, 2020). Diz-nos o paratexto da capa (sugestiva capa) esta curiosa coisa: «Tões» de Aurelino Costa com Anxo Pastor. E, na sua ignorância, mesmo depois de pesquisar a etimologia de Pitões e de Júnias, o leitor procura construir sentido(s): sugere-se que «tões» é poemas (os quais são sempre combinação de som e sentido)? Aponta-se para tons? Para pequenas pinceladas de som (passe a sinestesia) vinculadas ao topónimo com que «tões» intencionalmente rima?

Apego-me a esta última acepção para dizer que o que nos propõe este livro são, precisamente, pequenas notas em verso inspiradas por esse belíssimo território comunitário do Gerês que dá título ao livro – notas que configuram uma poética pontilhista cujo visualismo nos cativa. Mas também um modo muito peculiar de sentir a terra, a montanha e os seus sortilégios, sentir homens, mulheres e bichos, sentir as casas: «Pela trave / Ciranda / A aranha // E um fio / Da teia / Une // O que rareia» (p. 37). 


Estamos, pois, como estes versos evidenciam, ante uma escrita próxima das brevidades poéticas orientais, que procura captar a essência dos instantes. E o que Mário Cláudio afirma, num comentário de apresentação citado a fechar o livro, a leitura o confirma: «(…) brevíssimos poemas, aliás compondo um poema único, constituem uma lição de telurismo e espontaneidade, de contenção e de limpidez» (p. 61).


Os micro-poemas de Aurelino Costa (poeta, conhecido diseur e advogado, nascido em Argivai, Póvoa de Varzim em 1956) dialogam, em Pitões das Júnias, com as aguarelas doutro poeta também pintor, Anxo Pastor, originário da Galiza, onde nasceu em 1959.


As aguarelas são um elemento fundamental da beleza dum livro graficamente muito cuidado. Um verde tendencialmente escuro contrasta com pequenas notas de castanho claro, amarelo e azul, buscando a aproximação às cores da terra que a poesia intenta capturar. Apostando na sugestividade e em traços dos quais se valorizou a espontaneidade expressiva, as imagens de Anxo Pastor fazem deste objecto um lindíssimo álbum marcado pela unidade duma paixão comum pela terra. 


A terminar, um dos poemas mais longos do livro (p. 55), mesmo assim breve, com o qual a obra encerra (mais um dos textos em que as liberdades gramaticais do poeta se nos impõem como verdadeiras liberdades poéticas):

 

Vem a Primavera

Tira-se o esterco

Para semear a batata e o milho

 

Vem a satcha

E depois o feno 

 

O centeio corta-se a punho

Atam-se as messes

É carrá-lo

 

Relincham as galochas nos pés

É inverno

 

 

José António Gomes

 

IEL-C – Núcleo de Investigação em Estudos Literários e Culturais da ESE do Porto