quinta-feira, 6 de maio de 2021

Revisitar Mário-Henrique Leiria

Em anos recentes, a editora E-Primatur levou a cabo o projecto, altamente meritório, de edição da obra completa do surrealista Mário-Henrique Leiria (1923-1980). Os três grossos volumes deste companheiro de lides artísticas de Cesariny, António Maria Lisboa, Pedro Oom, Cruzeiro Seixas e doutros foram dados à estampa com os cuidados editoriais e críticos da estudiosa brasileira Tânia Martuscelli e são os seguintes: Obras Completas de Mário-Henrique Leiria – Volume 1 – Ficção (2017), Obras Completas de Mário-Henrique Leiria, Volume 2 – Poesia (2018) e Obras Completas de Mário-Henrique Leiria – Volume 3 – Manifestos, Textos Críticos e Afins (2019).

Mas já em 2016 a E-Primatur havia reeditado Casos de Direito Galáctico e Outros Textos Esquecidos (posteriormente seriam incluídos no volume 1 das Obras Completas), obra que reúne Imagem devolvida: Poema Mito (1974), Casos de Direito Galáctico / O Mundo Inquietante de Josela: Fragmentos (1975), Conto de Natal para Crianças (1975) e Lisboa ao Voo do Pássaro (1979). 

Este volume de 2016 mantém as belas ilustrações originais de Cruzeiro Seixas e as fotos de João Freire, além de um prefácio de Cesariny ao primeiro dos livros aqui incluídos (alguns em fac-símile). O texto de 1979 é um poema que dialoga com uma série de fotos – dos mais belos que foram escritos em torno da Revolução portuguesa e dos anos subsequentes. O de 1974 – na verdade produzido muito antes – é um bom exemplo de um escrito surrealista; os de 1975 representam certa faceta interventiva do surrealismo que, em alguns casos, reconheça-se, fez mais pela luta pela liberdade e pela democracia do que muito romance engagé. Os Casos e Josela ilustram a presença da ficção científica (FC) na nossa literatura e na obra do autor, mais como moldura do que propriamente como propósito de fazer FC, até porque são, isso sim, exemplos de subversivo humor crítico. 

Trata-se, portanto, de um volume a não perder de alguém que era um estimável poeta e artista visual, dentro dos princípios surrealistas, mas sobretudo um contista que é não só um dos pioneiros da ficção breve em Portugal, mas também um autor de textos de admirável sentido de humor, quase nunca dissociáveis de um propósito de crítica social e política. 

 

José António Gomes

IEL-C – Núcleo de Investigação em Estudos Literários e Culturais da ESE do Porto