sábado, 21 de novembro de 2009

Assim são as Algas e Castália e Outros Poemas, de Albano Martins

Albano Martins recolheu toda a sua produção lírica publicada até 2000 em Assim São as Algas (Porto: Campo das Letras, 2000). Foram cinco décadas (1950-2000) de uma poesia de raiz helénica, culta, que, em A Voz do Olhar (1998) por exemplo, soube dialogar fecundamente com a pintura e com outras artes. Alguns textos foram rearrumados, ligeiras alterações introduzidas. O conjunto dá a ouvir uma voz intensa mas sempre depurada, tanto nas estruturas mais tradicionais da primeira fase, como sobretudo no poema em prosa, no haiku ou na versificação aparentemente mais livre dos últimos livros.

Recorde-se que a propensão dialógica da poesia de Albano Martins não se esgota num tu encarado como projecção ou substituto textual do próprio eu lírico; existe, com efeito, uma pulsão comunicante que caracteriza estes versos, vigiados e polidos numa oficina sempre atenta à musicalidade da frase, aos subtis rumores da língua. E é essa orientação que convida à meditação serena sobre a condição humana, potenciada pelo carácter gnómico de muitas composições, como acontece em vários dos livros reunidos em Assim São as Algas. Poesia a reler, para com ela se construir um «espaço partilhado» e para nela se reencontrar também o gosto da reminiscência, esse canto do melro inscrito para sempre na memória: «Há um melro que faz / o ninho na minha memória. Ouço-o / agora. Canta / a flor das giestas / e da cerejeira. Traz, / emoldurados no bico, / os meus dezoito anos.» (p. 142).

No ano que se seguiu ao da reunião em livro de toda a poesia até então publicada, um novo volume: Castália e Outros Poemas (Porto: Campo das Letras, 2001). Como o título indica, tratava-se de uma poesia fixada num espaço matricial: a Grécia, cuja cultura tão fecunda influência teve na obra de Albano Martins. Pela mão do poeta, é o leitor levado num périplo pelo Peloponeso e por algumas ilhas gregas. Viagem que lhe permite descobrir pequenas fulgurações, como esta, dedicada à mítica fonte da juventude, em Delfos: «Castália — Se desta água beberes, / morrerás, sem o saberes.» (p. 17). Na segunda parte do livro, desenham-se outros lugares míticos, os de uma vida; e, na terceira, algumas figuras humanas que nela deixaram seu rasto, através das artes que cultivaram (Carlos Paredes, Ruy Cinatti, David Mourão-Ferreira e outros). Na última secção, cinco poemas aparentemente soltos, cinco poemas de sabedoria, como são frequentemente os de Albano Martins. Quando sinestesicamente desvelam, por exemplo, o mistério de uma flor: «é que / no perfil / duma flor / está também pintado / o seu perfume.» (p. 77).

José António Gomes

NELA (Núcleo de Estudos Literários e Artísticos da ESE do Porto)