quinta-feira, 20 de agosto de 2009

No aniversário (ontem) do seu assassinato, ler Lorca em português

Federico García Lorca (1898-1936) nasceu em Fuentevaqueros, perto de Granada, e é considerado um dos maiores poetas europeus do século XX. A sua influência fez-se sentir em muitos poetas portugueses dos anos 30, 40 e 50, nomeadamente nos neo-realistas, em Eugénio de Andrade – que o traduziu admiravelmente –, mas também em Matilde Rosa Araújo, já nos anos 60.

Na muita e variada poesia de Lorca (Canciones, 1927, Romancero Gitano, 1928, Llanto por Ignacio Sánchez Mejías, 1935, Poeta en Nueva York (1929-30), 1940, etc.), cruzam-se veios diversos: o simbolismo e os ritmos e temas tradicionais (designadamente de raiz popular e andaluza) mas também uma linguagem em que já são visíveis traços das poéticas de vanguarda das primeiras décadas do século XX (entre as quais se conta, por exemplo, o surrealismo, rótulo que todavia Lorca sempre rejeitou). Em boa verdade, a sua voz poética era verdadeiramente singular. Personalidade de grande encanto, simpatia e talento, Lorca era também músico e cantor, encenador, actor e desenhador, além de grande dramaturgo (exemplos: Bodas de Sangue; Yerma; A Casa de Bernarda Alba), tendo escrito alguns poemas para crianças. Conheceu ou foi amigo de artistas como o realizador de cinema Luís Buñuel, o poeta chileno Pablo Neruda, o pintor Salvador Dali.

Refugiando-se em Granada para fugir ao ambiente de agitação que se vivia em Madrid, acaba por ser surpreendido pelo levantamento fascista do General Franco (início da Guerra Civil em Espanha). Os franquistas prendem-no na tarde de 16 de Agosto de 1936 e, na madrugada de 18 para 19, fuzilam-no num campo dos arredores de Granada. O seu corpo nunca foi encontrado. Esta trágica circunstância, aliada à memória da própria personalidade de Lorca, viria a contribuir para tornar este poeta uma figura mítica.

Muitos outros poetas o prantearam, em particular companheiros seus do chamado “Grupo de 27” (Alberti, Manoel Altolaguirre, Luís Cernuda, Vicente Aleixandre, etc.), alguns dos quais viriam, eles também, a ser encarcerados, a morrer precocemente ou então a exilar-se para fugir à perseguição franquista.

José António Gomes

NELA (Núcleo de Estudos Literários e Artísticos da ESE do Porto)

Para saber mais sobre o autor e ler poemas seus:

http://www.garcia-lorca.org/

http://www.terra.es/personal2/ortz74/Fgl/inicio.ht

ROMANCE DA LUA, LUA

A lua desceu à forja
com falsas ancas de nardos.
O rapaz a olha, olha.
O rapaz fica a olhá-la.
No espaço comovido
a lua move seus braços
e mostra, lúbrica e pura,
os seios de duro estanho.
Foge, lua, lua, lua.
Se viessem os ciganos,
de teu coração fariam
colares e anéis brancos.
Rapaz, deixa-me dançar.
Quando cheguem os ciganos
encontram-te na bigorna
com os olhinhos fechados.
Foge, lua, lua, lua,
que já sinto os seus cavalos.
Rapaz, deixa-me, não pises
o meu alvor engomado.
O ginete aproximava-se
tocando o tambor do plaino.
Dentro da forja o rapaz
está com os olhos fechados.
Pelo olival desciam,
só bronze e sonho, os ciganos.
As cabeças levantadas
e os olhos semicerrados.
.
Como canta o noitibó,
ai, como canta na árvore!
A lua vai pelo céu
com um rapaz pela mão.
.
Lá dentro da forja choram,
dando gritos, os ciganos.
Entretanto, o ar a vela.
O ar a está velando.

FEDERICO GARCÍA LORCA, Antologia Poética, Lisboa, Relógio d’Água, pp. 51-53 (trad. de José Bento)