domingo, 24 de maio de 2009

A pintura de Roberto Machado – as cores do desejo

Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra

e seu arbusto de sangue. Com ela

incendiarei a noite.

 

Herberto Helder

 

É como se dissesse, com Aragon, «l’avenir de l’homme, c’est la femme». Perseguir o feminino, os seus símbolos. Ramalhetes e árvores, flores e frutos. O feminino e seu enigma. E também o horizonte, oculto para nós, desses olhares perdidos no longe, abraçando a hora por vir – num qualquer ponto atrás e à esquerda de quem vê.

Como em Modigliani, há instantes em que a alegria é possível. Ruy Belo: «Quando as raparigas punham todo o peso da sua esmagadora juventude / no pé e o pé no pó das antigas estradas a caminho das fontes / onde a água corria pelos vagarosos caminhos desse tempo»… Há pois um lado solar nas figuras, nos cenários. Um lugar meridional onde vibram por vezes os vermelhos, amarelos e azuis. E onde o mar espreita ou se deixa adivinhar.

E há outro território, nocturno e lunar. A tábua, onde antes as tintas se (con)fundiram, converte-se em suporte. E a mão deixa-se conduzir pelas formas do acaso inscritas na madeira. Deslindando corpos, rostos, outras formas. Pintura sobre «pintura». Um quase palimpsesto.

Os corpos, sim. Aqui e além, em sua desamparada nudez. Corpos que olham, se olham, se perscrutam. Que esperam? O anjo de Chagall? Dir-se-ia que interrogam o tempo. Que buscam estes olhos-amêndoa de mulher? A alegria sonhada?

Uma voz podia perguntar: «De que cor é o desejo?» E uma outra podia responder: «Vermelho como um país recém-criado.»

 

José António Gomes

NELA (Núcleo de Estudos Literários e Artísticos da ESE do Porto)