domingo, 1 de março de 2009

Humor das Multidões, de BAP (Augusto Baptista)

Uma das formas privilegiadas de expressão do humor é o cartoon. Indissociável do seu suporte de eleição, o periódico, surge nobilitada, aqui, pela inclusão em livro.

Pseudónimo (ou máscara?) de Augusto Baptista – fotógrafo, desenhador e escritor (publicou umas corrosivas Histórias de Coisa Nenhuma e Outras Pequenas Significâncias, entre outras obras) –, BAP é, por assim dizer, um típico nome de cartoonista (confirme-se, assim, a importância e as conotações da marca autoral), com o qual surgem assinadas estas vinhetas de página inteira que dão pelo título de Humor das Multidões (Chãos Velhos, 2000), constituídas por uma mesma imagem que, obsessivamente repetida do princípio ao fim do livro, representa uma imensa multidão, compacta como uma floresta.

Dessa multidão emergem balões de fala (único elemento que se altera de página para página), geralmente um ou dois, que representam situações quotidianas, ou antes, interacções verbais – por vezes também solilóquios brevíssimos – cujo absurdo nasce quase sempre do preciso contexto em que surgem, ou seja, no meio de uma multidão inexpugnável de cabeças e corpos em exasperante aperto. Alguns exemplos dessas verbalizações: «– Perdeu alguma coisa? / – A lente de contacto…»; « Desculpe, a bicha começa onde?»; « É para o 1º Cartório? / – Não! É para o 2º!»; «Alguém me troca mil?» e, na outra ponta da compacta massa de gente, a quase insólita resposta, de quase impossível dimensão perlocutória: «Serve em duas de quinhentos?»

Até pela impossibilidade de reproduzir a imagem (sem a qual o texto linguístico perde grande parte do sentido), não se torna fácil resumir ou sequer tentar reproduzir o irreproduzível: a graça, a exposição do ridículo, o sentido crítico à flor dos dedos do humorista. Por isso, apenas se regista um apelo: que este imperdível Humor das Multidões – que nos arrancou sorrisos e algumas gargalhadas – tenha continuidade, noutros exemplos da oficina humorística de BAP.

Assinale-se que o autor, Augusto Baptista, nasceu em Oliveira de Azeméis. A sua criação, como se disse, reparte-se pela escrita, pelo desenho e pela fotografia. Eis a relação dos seus títulos editados em livro: Histórias de Coisa Nenhuma e Outras Pequenas Significâncias (Campo das Letras, 2000) e, com Francisco Duarte Mangas, O Medo Não Podia Ter Tudo (Campo das Letras, 1999; editado em Itália com o título La Paura Non Poteva Vincere, NonSoloParole, 2006). No âmbito do ensaio, publicou Floripes negra (Cena Lusófona, 2001).

 

José António Gomes

NELA (Núcleo de Estudos Literários e Artísticos da ESE do Porto)