domingo, 16 de março de 2025

JOSÉ VIALE MOUTINHO E UMA OBRA DE HOMENAGEM A CAMILO

Camilo Castelo Branco

Não poderia haver melhor maneira de homenagear Camilo Castelo Branco (1825-1890) e de celebrar os duzentos anos do nascimento desse criador genial, um dos maiores escritores da literatura portuguesa (ficcionista, dramaturgo, poeta e cultor ainda de outras escritas) – que tanto influenciou vozes como as de Aquilino Ribeiro ou Agustina Bessa-Luís, para não falar em José Viale Moutinho.


Sim, porque foi Viale Moutinho, com o seu saber imenso sobre a vida de Camilo, sobre a obra e sobre os que acerca de ambos os temas escreveram, que teve a belíssima ideia por trás deste livro. Há, em Viale, uma devoção à escrita e à figura do suicida de Seide que só pode merecer encómio e gratidão. E muito devemos, efectivamente, ao notável escritor e divulgador que acaba de organizar a antologia em apreço.


Só ele poderia conceber um volume assim e ter-se lembrado de o fazer. Um livro que proporciona boas horas de prazer na leitura. Título: Conversas no Café Guichard – Homenagem a Camilo Castelo Branco nos 200 anos da sua vida intensa (2025), bela edição, de capa dura, da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto.


À laia de prefácio, Viale faz anteceder esta sua antologia de um curioso diálogo imaginário no célebre Guichard, entre alguns dos escritores e personalidades amigos de Camilo que, depois, ressurgem como autores de textos na antologia. Segue-se a dita: vinte e três escritos de gente que conheceu – num ou noutro caso de modo indirecto – o autor de Romance de Um Homem Rico, quase todos seus contemporâneos, ainda que por vezes mais jovens.


São essencialmente testemunhos acerca da vida do criador d’A Queda de Um Anjo e de A Corja. Uma vida intensa, precisamente, como Viale afirma, mas aventurosa e criativa e, como é sabido, apaixonada e trágica, em muitíssimos aspectos. E é isso que ressalta dos depoimentos que abordam a dimensão biográfica e o perfil moral do escritor de Cenas da Foz. Textos notáveis e bem reveladores, como os de Alberto Pimentel, o primeiro biógrafo, Ana Plácido, o poeta Gonçalves Crespo, Luís de Magalhães, Júlio César Machado, Ricardo Jorge e outros. Mas escritos há que igualmente são de muita valia e de proveitosa leitura: os que incidem, acima de tudo, na escrita, na obra propriamente dita, contendo, não raro, excelentes sínteses críticas. São os casos dos de Oliveira Martins, Eça de Queirós, Fialho de Almeida, José Caldas, Manuel Laranjeira, António Sérgio e vários outros. Finalmente, lêem-se ainda os testemunhos em torno do humor e da verrina camilianos, peças com graça como as de António Cabral e não só. 


Em suma, uma leitura útil, oportuna e que, pela humanidade dos testemunhos, pela graça de muitos deles e pela diversidade estilística que marca, naturalmente, o conjunto dos escritos, vale muito a pena ler.


De sugerir, aliás, que se complemente esta leitura com a do livro juvenil de José Viale Moutinho, A Máquina do Tempo do Professor Candeias (Funchal: Imprensa Académica, 2021), uma ficção inspirada na vida de Camilo e que a ela nos transporta através de uma máquina prodigiosa. 

 


José António Gomes

IEL-C (Núcleo de Investigação em Estudos Literários e Culturais) da ESE do Porto