sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

A Musa Irregular, de Fernando Assis Pacheco: um belo presente de Natal


Um grande livro de poesia, unanimemente saudado, em vários momentos, é A Musa Irregular: edição aumentada (Tinta da China, 2019), de Fernando Assis Pacheco (1937-1995), com um excelente posfácio, arguto e iluminador, de Manuel Gusmão, e edição, rigorosa, da responsabilidade de Abel Barros Baptista. Inclui, como o subtítulo indica, textos que antes não figuravam em livro.


Além de notável jornalista, crítico e tradutor, Fernando Assis Pacheco foi poeta de excepção (ainda que o tenha sido em «tom menor», como assinala Gusmão) e novelista bem singular, quer em Walt (1978) quer na obra-prima Trabalhos e Paixões de Benito Prada (1993). Da geração de Manuel Alegre, Rui Namorado, António Manuel Lopes Dias, José Carlos de Vasconcelos, José Manuel Mendes (que no espaço coimbrão tiveram uma das suas matrizes literárias), foi talvez a voz poética que de modo mais intenso e dramático abordou a Guerra Colonial, e o consequente medo da morte, mas ao mesmo tempo foi lírico de inegável finura e rigor de expressão, além de voz satírica, de sentido de humor indeclinável (mesmo quando tocado pela amargura) e de peculiar criatividade linguístico-discursiva. 

Não é possível esquecer tal voz nem os seus poemas sobre a prisão política. Assis Pacheco foi um poeta que, além do mais, não quis dissociar escrita e vida (no fundo o tema maior da sua poesia) e que não se tomava demasiado a sério, sendo capaz de inteligentemente rir de si mesmo. Como nos rimos nós também – ou pelo menos sorrimos, quando não choramos – ao ler esta poesia que não faz lembrar nenhuma outra, e que proporciona um prazer de leitura que é tudo menos comum. 

 

José António Gomes

 

IEL-C (Núcleo de Investigação em Estudos Literários e Culturais da ESE do Porto)