segunda-feira, 24 de agosto de 2020

A poesia de Dímitra Mandá

O n.º 29 da revista de poesia e tradução de poesia DiVersos (Fev. 2020) dá-nos a ler, em tradução de José Carlos Marques, uma dezena de poemas da poeta grega Dímitra Mandá que, nascida na cidade de Trípoli, no Peloponeso, faleceu em Atenas, em Março de 2019.

Não são frequentes as edições de poesia grega moderna em português, se descontarmos os casos de poetas de excepcional estatura, como Konstantínos Kavafis (1863-1933) , Giórgos Seféris (1900-1971), Odysséas Elýtis (1911-1996), e de outras – poucas – vozes posteriores, que encontramos vertidas para a nossa língua. Vozes femininas menos fácil ainda é descobri-las no nosso panorama editorial.

 

É, por isso, de saudar a publicação, mais uma vez, de poemas de Dímitra Mandá (DiVersos, n.º 29, pp. 25-33), incluindo um com data de 2005. 

 

Já nesse ano de 2005 (e mesmo antes, na DiVersos) o editor e tradutor tinha prestado homenagem a esta figura feminina da poesia helénica, trazendo a lume O Momento do Amor (Edições Sempre-em-Pé, colecção UniVersos/Poesia). A edição, bilingue, era assim descrita em paratexto editorial disponível na página das Edições Sempre-em-Pé: «Um livro tão cintilante e luminoso como a luz do Mar Egeu onde ganhou vida e expressão. (…) Cerca de metade dos poemas deste livro, cuja autora reside em Atenas e na ilha de Siro, foram musicados pelo famoso compositor grego Mikis Theodorakis e gravados em disco (intitulado Mía Thálassa), pela cantora grega radicada em Paris, Angélique Ionatos.»

 

Entretanto Dímitra Mandá deixou-nos em 2019, mas fica a sua poesia, representada neste volume em grego e em português, edição graficamente cuidada que inclui algumas fotografias a cores de cenários gregos, colhidas pela própria poeta, além de uma nota biográfica, uma apresentação escrita pelo tradutor e partes de uma recensão crítica da obra assinada por Evangelos Roussos.

 

Data de Setembro de 1984, por exemplo, este curto poema de Mandá, intitulado «Inocência» (p. 57): 

 

Tua alma de menino
deixa que eu a embale
e tu dorme
a súbita chuva não a esperes

tão longínqua neste país dos sequiosos.

 

Estes versos permitem, desde logo, sinalizar alguns traços desta poética: a brevidade; a presença recorrente de um tu; e a vinculação das temáticas e da linha discursiva à questão do relacionamento amoroso. A par disto, o mar, a noite, a Lua, o vento, as paisagens gregas e, naturalmente, o desejo constituem elementos de presença forte numa escrita cuja associação a cenários helénicos é de imediato reconhecível por parte de qualquer leitor que esteja com eles familiarizado e, ao mesmo tempo, disponível para conviver, através da leitura, com o visualismo que estes poemas aqui nos propõem. 

 

Como escreve Evangelos Roussos, num texto incluído em apêndice, «a poesia de Mandá é exclusivamente poesia de amor», uma poesia «absoluta, auto-orientada para fora da historicidade, egocêntrica como criança inocente» («Apêndice – Memória dos Espelhos de Dímitra Mandá», pp. 109-112), uma poesia, refira-se, de frequente sugestão erótica.

 

Desconhecedores do grego moderno, acrescentaremos apenas que O Momento do Amor resulta, em português, numa bela dicção poética, que advirá, como é óbvio, da perícia do tradutor, mas que não é alheia, certamente, à sedutora dicção original da poeta. Leia-se, a terminar, «Se assim te falo» (p. 63), um segundo exemplo escolhido entre as dezenas de poemas deste livro: 

 

Se assim te falo
é do verão
que penetrou as minhas palavras
e os meus dias pequeninos
que cresceram até ser luz.
Se agora assim te falo é do sol
que se despenhou dos teus olhos
e dissolveram-se os relógios nas paredes
nas mesas
nas paragens

e muito mais dentro do meu coração. 

 
 

Momento do Amor pode ser adquirido aqui: https://sempreempe.pt/

 

 

José António Gomes

 

IEL-C – Núcleo de Investigação em Estudos Literários e Culturais da ESE do Politécnico do Porto