Uma entrevista aos autores, por Luís Ângelo Fernandes
Ana Biscaia e João Pedro Mésseder têm concretizado parcerias felizes em diferentes livros: por exemplo Lembro-me (2012) e Clube Mediterrâneo: doze fotogramas e uma devoração (2017) (neste trabalharam com a designer Joana Monteiro), obra poética distinguida com um diploma na 12.ª edição do Concurso Internacional de Ilustração e Design de Livros Image of the Book, da Feira Internacional do Livro de Moscovo, na categoria livro de autor. Na área do livro para a infância e a juventude são também diversas as colaborações: O Livro dos Meses (2012), Poemas do Conta-Gotas (2015), Versos que Riem (2016).
Por seu lado, Que Luz Estarias a Ler? (2014) – nomeado para os XIII Troféus Central Comics / 2015 do Festival de Banda Desenhada de Beja, modalidade: Melhor Publicação Independente – tem como ponto de partida desenhos de Ana Biscaia para os quais Mésseder escreveu um curto texto narrativo. Tanto esta obra – dirigida a crianças, jovens, adultos – como Clube Mediterrâneo: doze fotogramas e uma devoração, o primeiro centrado no drama da Palestina ocupada, e o segundo na questão dos refugiados e migrantes do Mediterrâneo, constituem exemplos de uma estética que se não deseja alheada da realidade histórica e de questões sociopolíticas candentes.
Um novo exemplo disto mesmo encontra-se no recente livro A Quem Pertence a Linha do Horizonte? (Página a Página, 2020), poemas de preferencial destinatário adulto, escritos por João Pedro Mésseder, com vinte e cinco desenhos de Ana Biscaia, além do da capa.
Para o sítio A Inocência Descompensada, do Núcleo de Investigação em Estudos Literários e Culturais da ESE do Porto (IEL-C), disponibilizou-se Luís Ângelo Fernandes (LAF) – professor-bibliotecário, promotor/gestor cultural e autor de diversas obras no âmbito da história local – a colocar algumas questões ao autor dos poemas e à ilustradora de A Quem Pertence a Linha do Horizonte?.
LAF – O livro é um grito acerca do drama do povo palestiniano. Que principais emoções ou atitudes o moveram? Denúncia? Resistência? Combate? Solidariedade?

LAF – O título, A quem pertence a linha do horizonte?, a propósito das restrições israelitas no acesso ao mar de Gaza, pretende ser um desafio acerca do condicionamento do destino, do sonho e da liberdade?

LAF – Os poemas apresentam várias roupagens, inclusive glosando versos de Camões e da poesia popular. Foi uma forma de exprimir a multiplicidade de estados de alma perante um drama quotidiano e sem fim à vista?
JPM – Sim. Quando se está a escrever, muito do que lemos vem à mente. A intertextualidade é um elemento constitutivo, indissociável do próprio discurso literário. Ao pensar nos judeus abominavelmente, criminosamente perseguidos (designadamente pelo nazi-fascismo hitleriano e mussoliniano e, hoje em dia ainda, por grupos neo-nazis na Europa e nos EUA), ao pensar nesses que agora, em Israel, vêem os poderes por eles próprios eleitos perseguir outra gente, os palestinos (curiosamente semitas, tal como eles), é impossível para mim não pensar na estrutura dum certo verso de Camões: «Transforma-se o amador na cousa amada». Na Palestina, o perseguido parece ter-se transformado em perseguidor. Por outro lado, as mortes de crianças (em Julho de 2014, em Gaza, foram mais de quinhentas), ou aqueles miúdos baleados no decorrer da manifestação da Grande Marcha do Retorno ou todos os que se encontram encarcerados nas prisões israelitas trouxeram-me à memória a lengalenga popular do Tranglomango (que Cesariny também glosou num poema seu). E assim, recriando a sua estrutura, compus o poema «A bandeira» (p. 46), que constitui uma homenagem às crianças e jovens vítimas da violência, e à luta contra a ocupação, pela independência do estado palestino.
LAF – Os poemas foram escritos ao longo das últimas duas décadas. A razão do lançamento nesta altura relaciona-se com a iminente confirmação por Israel da anexação de parte da Cisjordânia ou foi mera coincidência?

LAF – As ilustrações apresentam uma forte presença do negro. A Ana Biscaia
procurou, assim, tornar mais explícita a densidade dramática dos poemas e da realidade palestiniana?

O dramatismo de alguns desenhos tenta simbolizar o que sei e o que ouço e o que leio sobre a Palestina. Mais do que pensar no efeito de densidade dramática, pensei na urgência e na rapidez com que se pode fazer um desenho. No desenho como símbolo, no desenho como resposta ao poema escrito por João Pedro Mésseder. A realidade palestina, apesar de longínqua (a vários níveis) pode ser transmitida através do desenho, mas não creio que os desenhos sejam explícitos, nem explorem a realidade palestina. São, na minha opinião, mais simbólicos uns, mais expressivos outros, o da capa é claramente surrealizante, mas todos eles são muito gráficos.
LAF – Que questionamentos pretendeu lançar?
AB – Como se nasce com uma pedra na mão? Floresce nela a pedra? E como, como se semeia? Quais os objectos de resistência daquele povo? A quem pertence a linha do horizonte? O que é uma chave e para que serve? O que são colonatos? Porque se derrubam e matam oliveiras? Que leis protegem os algozes? NAKBA (que palavra é esta?). Porque é que aquele povo é tão forte? – questionamento pessoal. Como é possível uma injustiça tão grande?
Pensei, quando desenhei, no elogio daquele povo, nos seus símbolos, nas suas memórias, nas suas casas devoradas e nas chaves que guardam para si como objectos mágicos.
LAF – Já são várias as obras publicadas em conjunto com João Pedro Mésseder, algumas delas premiadas. Como nasceu e como caracteriza esta cumplicidade estética?

Luís Ângelo Fernandes
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