Ninguém interessado pela criação poética, em Portugal, ignora a importância desta revista (ou série de volumes, se se preferir), conhecida pelo belo nome de DiVersos, e que, em Fevereiro de 2020, chega ao número 29, sendo editada em Águas Santas (Maia, área metropolitana do Porto) pelas Edições Sempre-em-Pé. (Estamos a falar de uma editora à qual se deve, é bom lembrar, a publicação de títulos de autores como Lanza del Vasto, Rachel Carson, Aldo Leopold e, no campo da literatura, Jules Supervielle, Ursula Wölfel, Elly Paionídou, Dímitra Mandá,Tobias Burghardt, José María Cumbreño, Afonso Cautela, Vítor Oliveira Jorge, Cristino Cortes, Jorge Vilhena Mesquita, Ruy Ventura e muitos outros. Uma chancela de orientação progressista/ecologista, que abarca interesses editoriais diversos, tais como o ensaísmo e os estudos nas áreas do ambiente e da sustentabilidade, da economia e doutras ciências sociais, publicando, além disso, poesia, narrativa de ficção e literatura para a infância e a juventude.)
Digamos desde já que, em qualquer país decente e em que a actividade cultural fosse devidamente prezada e apoiada pelos poderes públicos, uma revista que, entre 1996 e 2019, tivesse publicado poemas traduzidos de vinte línguas e mais de 180 autores, criando uma montra de qualidade para o inestimável trabalho de tradução literária de setenta tradutores (textos habitualmente apresentados na língua original e na versão traduzida e acompanhados de uma boa nota biobibliográfica), uma publicação desta natureza mereceria, como se compreende, dispor de um subsídio permanente da DGLAB, e ser adquirida por todas as bibliotecas públicas do país e por muitas bibliotecas universitárias e escolares.
A DiVersos, recorde-se, foi criada em 1996 por gente ligada à poesia e à tradução especializada – designadamente nos directórios da União Europeia –, como Carlos Leite, Jorge Vilhena Mesquita, José Carlos Marques e Manuel Resende, com apoio de José Lima e Vasco Rosa, sendo hoje mantida com a coordenação de José Carlos Marques, tradutor e editor, e com colaboração solidária de vários poetas e outros tradutores.
Visualmente sóbria mas com um grafismo inconfundível, ainda que simples, a DiVersos resiste, apostando na diversidade poética e cultural, recusando grupismos e “capelas” e, não poucas vezes, surpreendendo-nos com o seu cosmopolitismo e com as propostas poéticas que apresenta. E isso só nos pode alegrar, não podendo um núcleo de investigação como o IEL-C da ESE do Porto deixar de recomendar vivamente a sua aquisição e fruição.
Dedicado à memória do escritor e radialista Nuno Rebocho, o número 29 traz-nos muita poesia de qualidade, por exemplo do polaco Adam Zagajewski, dos gregos Dímitra Mandá e Thanassis Hatzopoulos, do francês Jean Hautepierre, do catalão Josep María de Sagarra, dos italianos Laura Garavaglia e Stefano Marino, e do dinamarquês Niels Hav. A poesia em língua portuguesa (de Portugal, do Brasil, de Angola, de Cabo Verde…) também marca presença, em registos desiguais, quer em termos estilísticos quer no plano qualitativo. No número 29, cremos que são de destacar os poemas de Carlos Sousa de Almeida (nascido em Angola), de Marcelo Benini e Renato Suttana (Brasil), de Ruy Ventura, Sara Santos e do homenageado Nuno Rebocho (1945-2020), entre outros, no que toca à representação lusa.
Cada volume da DiVersos é um tributo ao texto poético e à sua leitura, à diversidade linguística, étnica e cultural, ao multiculturalismo e ao diálogo intercultural – valores que importa defender e pelos quais importa lutar. O número 29 mantém a mesma linha, e ainda bem que assim é.
DiVersos pode ser adquirida aqui: https://sempreempe.pt/
José António Gomes
IEL-C – Núcleo de Investigação em Estudos Literários e Culturais da ESE do Politécnico do Porto