É, por isso, de saudar a publicação, mais uma vez, de poemas de Dímitra Mandá (DiVersos, n.º 29, pp. 25-33), incluindo um com data de 2005.
Já nesse ano de 2005 (e mesmo antes, na DiVersos) o editor e tradutor tinha prestado homenagem a esta figura feminina da poesia helénica, trazendo a lume O Momento do Amor (Edições Sempre-em-Pé, colecção UniVersos/Poesia). A edição, bilingue, era assim descrita em paratexto editorial disponível na página das Edições Sempre-em-Pé: «Um livro tão cintilante e luminoso como a luz do Mar Egeu onde ganhou vida e expressão. (…) Cerca de metade dos poemas deste livro, cuja autora reside em Atenas e na ilha de Siro, foram musicados pelo famoso compositor grego Mikis Theodorakis e gravados em disco (intitulado Mía Thálassa), pela cantora grega radicada em Paris, Angélique Ionatos.»
Entretanto Dímitra Mandá deixou-nos em 2019, mas fica a sua poesia, representada neste volume em grego e em português, edição graficamente cuidada que inclui algumas fotografias a cores de cenários gregos, colhidas pela própria poeta, além de uma nota biográfica, uma apresentação escrita pelo tradutor e partes de uma recensão crítica da obra assinada por Evangelos Roussos.
Data de Setembro de 1984, por exemplo, este curto poema de Mandá, intitulado «Inocência» (p. 57):
Tua alma de menino
deixa que eu a embale
e tu dorme
a súbita chuva não a esperes
tão longínqua neste país dos sequiosos.
Estes versos permitem, desde logo, sinalizar alguns traços desta poética: a brevidade; a presença recorrente de um tu; e a vinculação das temáticas e da linha discursiva à questão do relacionamento amoroso. A par disto, o mar, a noite, a Lua, o vento, as paisagens gregas e, naturalmente, o desejo constituem elementos de presença forte numa escrita cuja associação a cenários helénicos é de imediato reconhecível por parte de qualquer leitor que esteja com eles familiarizado e, ao mesmo tempo, disponível para conviver, através da leitura, com o visualismo que estes poemas aqui nos propõem.
Como escreve Evangelos Roussos, num texto incluído em apêndice, «a poesia de Mandá é exclusivamente poesia de amor», uma poesia «absoluta, auto-orientada para fora da historicidade, egocêntrica como criança inocente» («Apêndice – Memória dos Espelhos de Dímitra Mandá», pp. 109-112), uma poesia, refira-se, de frequente sugestão erótica.
Desconhecedores do grego moderno, acrescentaremos apenas que O Momento do Amor resulta, em português, numa bela dicção poética, que advirá, como é óbvio, da perícia do tradutor, mas que não é alheia, certamente, à sedutora dicção original da poeta. Leia-se, a terminar, «Se assim te falo» (p. 63), um segundo exemplo escolhido entre as dezenas de poemas deste livro:
Se assim te falo
é do verão
que penetrou as minhas palavras
e os meus dias pequeninos
que cresceram até ser luz.
Se agora assim te falo é do sol
que se despenhou dos teus olhos
e dissolveram-se os relógios nas paredes
nas mesas
nas paragens
e muito mais dentro do meu coração.
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José António Gomes
IEL-C – Núcleo de Investigação em Estudos Literários e Culturais da ESE do Politécnico do Porto