O texto português integra o volume Os Cimentos da Noite 1975-2018 (Afrontamento, 2020), que recebeu o Prémio D. Dinis, da Fundação Casa de Mateus, de Vila Real, o qual foi entregue em 31 de Outubro de 2021.
Como leio a poesia de Viale Moutinho, eu que a não conheço suficientemente bem, mas reconheço, ao deambular por ela, detendo-me aqui e ali, uma poética de indesmentível qualidade de escrita e de singularidade inegável? Pois leio-a como um discurso em que o fundo dramático jamais deixa escapar a possibilidade da ironia, e em que a tensa meditação da voz que escutamos balança entre a sua própria existência-e-condição-no-tempo e a dos outros. Detecta-se um sentido emotivo eficazmente contido pela inteligência das estratégias verbais, designadamente a sintaxe, pelo modo hábil de usar/organizar a versificação (incluindo aqui o enjambement) e por pontuais desvios de atenção para os cenários em que o sujeito surge inscrito. Uma apreciação brevíssima, esta, que se centra em especial nos últimos livros.
E é de uma dessas secções de Os Cimentos da Noite (“Dado o Adiantado da Hora – inéditos e dispersos”, pp. 342-343) que extraio este poema com algo de tempestuoso, mas que tanto me agrada. Recordo que a vírgula é a pontuação por excelência da poética de Viale Moutinho e que é com vírgula que o poema remata (remata?).
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Todas as noites percorro a casa
em busca do quarto secreto
onde a tempestade guarda
os seus ovos de reserva,
ou o assobiar dos ventos,
vejo como cai a chuva
grossa e se envolve a terra
nos seus mais densos rios,
ouço as palavras de meu
pai, são sábias, loucas, belas,
levando-me para onde serei
um dia um corredor de fundo,
a casa, às escuras, permite-me
ver os despojos do dia morto,
abro as portas dos quartos e nada,
nunca encontrei esse quarto
João Pedro Mésseder