Comum às crónicas de A-Ver-o-Mar (Porto: Figueirinhas, 1981) e aos poemas de A Maresia e o Sargaço dos Dias (Porto: ASA, 2002, col. “Pequeno formato”), de Luísa Dacosta, é a presença obsidiante do mar e da praia. Estes funcionam como o universo do qual emergem a matéria verbal e os processos estilístico-retóricos dos poemas, mas sobretudo como mapa pessoal no qual se foram inscrevendo lugares de uma geografia íntima, como a mitificada aldeia de A-Ver-O-Mar, matriz de figurações míticas construídas pela própria Autora.
Nas crónicas, é recorrente a cena das mulheres-Penélopes esperando os seus homens embarcados, espelho da situação do “eu” retomado em A Maresia e o Sargaço dos Dias. Por isso essas mulheres marcam também presença nos poemas, que permitem por outro lado ler referências à dura faina dos sargaceiros. Até porque Luísa Dacosta conheceu por dentro esta comunidade cujo declínio, em tom de despedida, é evocado no prefácio. Mas esta poesia configura sobretudo um discurso de amor naufragado que deixa perceber a sua genealogia literária: as vozes femininas das marinhas galaico-portuguesas e do cancioneiro popular. Uma escrita que se reinventa para lembrar e ser lembrada, a fim de que a memória da que escreve vença o tempo, um pouco à semelhança do sujeito feminino do poema “Entalhe” (p. 70) que logrou transformar em “lembrança viva” a sua própria imagem pretérita: “Era uma lembrança viva. / Mas a realidade tinha passado, / como um barco, ao deixar para trás / a linha do horizonte.(…)” (p. 70).
José António Gomes
NELA (Núcleo de Estudos Literários e Artísticos da ESE do Porto)